quinta-feira, 16 de julho de 2009

Era dos Mortos: Cinema de Bordas em Minas



Era dos Mortos é um exemplo de Cinema de Bordas feito em Minas Gerais. Como outros filmes exibidos na mostra, esse média-metragem foi realizado por uma equipe amadora, que contou, com pouquíssimos recursos financeiros, uma história de terror ocorrida numa cidade pequena (Santos Dumont).
Mas Era dos Mortos tem algumas peculiaridades que o diferenciam dos demais filmes caseiros e, dentro do universo dos filmes de Bordas, fazem dele quase uma superprodução. A edição e os efeitos especiais são competentes, a história mantém um constante clima de tensão, e o espectador leva uns bons sustos ao longo do filme. Como nas produções industriais, Era dos Mortos deu origem a outros produtos: uma HQ, que aprofunda e amplia a narrativa, e a trilha sonora, repleta de rock metal. Ambas, além do próprio filme, estão disponíveis para download no site do Era dos Mortos (http://www.eradosmortos.com.br/).
No comando dessa produção está o cineasta Rodrigo Brandão, 23 anos, com quem eu conversei no Planet Music, num papo embalado por fanta uva e coca-cola.

Como surgiu seu interesse em fazer cinema?

Eu sempre tive esse interesse, a vontade de fazer filmes com meus amigos. Antes do Era dos Mortos nós fizemos vários curtas, mas todos pra consumo interno, nunca pensamos em exibi-los para um público maior. A gente fazia, filmava qualquer coisa, e já estava bom. Um planejamento maior só veio mesmo com o Era dos Mortos.

Você sempre gostou de filmes de terror?

Ao contrário de outros cineastas de bordas, quando eu era adolescente não gostava de ver filmes de terror. Só bem mais tarde, quando passei a conhecer outros gêneros de cinema, comecei a gostar de terror, pelo tipo de sensação que ele provoca no público. Meus prediletos são os filmes de terror mais atuais, como Extermínio (2002), Albergue (2005). Não gosto do estilo Pânico (1996), meio terrir, que faz gozação com o gênero.

E Zé do Caixão, já assistiu aos filmes dele?

O filme novo, A Encarnação do Diabo (2008), é muito legal. Os antigos também são legais, mas são muito precários, parecem vários filmes pequenos encaixados um no outro, sem uma unidade.

Você comentou que não gosta de “terrir”, e na mostra do Cinema de Bordas o seu filme era um dos poucos que levava o terror a sério, que não queria fazer uma paródia do gênero.

Exatamente, meu interesse maior é no ambiente da história. A gente não tinha equipamentos nem atores profissionais, mas a tentativa era criar um ambiente verdadeiro, uma sensação sombria, de solidão. Não era contar uma história com os carinhas fazendo palhaçada. Minha intenção sempre foi fugir disso.

Como surgiu a Era dos Mortos?

Quando três amigos e eu decidimos fazer algo mais sério, fizemos uma reunião para escolher que filme fazer. No meio da conversa, alguém deu a ideia de fazer um filme de zumbi (hoje ninguém lembra de quem foi a ideia). Mas foi unânime: todo mundo gostou do desafio de fazer um filme de zumbi bem feito em Santos Dumont. Na verdade, todo mundo faz um pouco de tudo no filme. Tem cenas que o ator principal também filma, fez papel de zumbi também, ou segura a luz. Quam a gente encontrasse pelas ruas era convidado a ajudar em alguma coisa.

Quais equipamentos vocês usaram?

Eu usei uma câmera Mini-Dv que comprei em 2004, justamente para brincar de filmar. Na época, já tinha experiência de edição, já tinha editado uns vídos de alguns amigos. A partir daí, passei a dirigir e a editar os filmes.

Como foi o processo de escrever o roteiro?

Nós quatro começamos a escrever no início de 2006, o filme só foi lançado em 2008. O roteiro demorou uns nove meses para ficar pronto. A gente só se reunia nos fins de semana, íamos reescrevendo e mudando aos poucos. Por isso mesmo é uma história simples, baseada em ações fortes. Desde o início a gente tentou evitar escrever diálogos. Primeiro, porque não tínhamos atores profissionais; segundo, porque minha filmadora não captava o som muito bem.

Vocês escreveram já pensando nessas limitações.

Sim, escrevemos uma história que pudesse ser contada com o que tínhamos disponível: uma câmera com defeito, quatro pessoas que poderiam ser atores com falas e uma cidade vazia nos fins de semana. Mesmo assim, algumas coisas não puderam ser filmadas, seja por falta de equipamentos ou de equipe preparada. Quando acabaram as filmagens e o site do filme já estava no ar, um desenhista de São Paulo, o Micael Holderbaum, me procurou propondo fazer uma HQ promocional do Era dos Mortos. Aí transformamos as partes que não foram filmadas em três histórias paralelas, contanto o que acontecia com os personagens antes do filmar começar. Depois, lançamos a HQ junto com o filme.

A música também foi uma colaboração realizada através da internet.

Então, durante as filmagens um cara chamado Harlem Pinheiro, de Campos, no Rio de Janeiro, entrou no site e se ofereceu a fazer a trilha sonora. Eu gostei das músicas dele, achei que combinavam com o filme, e ele ainda compôs mais três músicas para o Era dos Mortos. Uma banda do interior de São Paulo também me procurou, e coloquei a música deles nos créditos do filme. Nosso contato foi todo através da internet, só fui conhecer o Harlem depois. Tudo colaboração, eles também não receberam nada por isso. Apenas viram nosso site, gostaram da ideia, e quiseram apoiar. O filme, a trilha e a HQ estão no site, disponíveis para quem quiser baixar.

Quantos downloads foram feitos do filme?

O servidor registrou mais de seis mil tentativas de downloads, de pessoas que começaram a baixar. O servidor não contabiliza quantas terminaram, mas tivemos mais de seis mil tentativas. No site, eu mesmo aconselho a distribuir o filme, colocar no torrent, emule.

A filmagem também foi demorada, como a etapa do roteiro?

Nós também só filmamos nos fins de semana. Foram apenas 27 dias, mas espalhados ao longo de um ano. A gente tinha que encaixar as filmagens na agenda de toda a equipe. O Felipe Vidal, que fez a maquiagem, trabalhava como maquinista, os dois atores principais estavam estudando para vestibular, ninguém tinha tempo para se dedicar totalmente. E como muitas cenas acontecem nas ruas de Santos Dumont, a gente precisava de um dia com pouco movimento, poucos carros circulando.

Como foram feitas as cenas em que os zumbis comem outras pessoas?

O Felipe, que se candidatou a fazer a maquiagem e os efeitos, ficou uns seis meses estudando as técnicas pela internet. No making-off coloquei alguns testes de maquiagem. Nas cenas em que os zumbis comem pedaços de outras pessoas, ele usou tripa de porco, com água e farinha. Já o sangue era Nescau com chocolate.

Foi difícil conseguir voluntários para os papéis de zumbis?

Na hora em que viram a gente filmando na rua, várias pessoas me procuraram querendo participar. Na maioria, os zumbis são todos nossos amigos, da nossa faixa etária. Quem teve interesse acabou participando do filme. Eu só avisava que a gente iria sujar e rasgar as roupas deles.

A filmagem foi bastante longa, teve algum cuidado especial com a questão da continuidade?

A gente sempre tentava filmar uma cena completa num único dia. Não tinha essa de terminar no meio e voltar depois para concluir uma cena. Assim a gente tentava evitar os erros de continuidade. Mas mesmo assim, muitos erros aconteceram. Na cena final, por exemplo, o protagonista aparece com uma camisa diferente da que usava na cena anterior.

Durante a apresentação do filme na mostra Cinema de Bordas, você comentou que seu maior prazer no processo de fazer um filme é a edição, até porque você trabalha na área de ciências da computação. Você usou muitos efeitos na montagem do filme?

Sim, em várias partes. Nas cenas do posto de gasolina ou de ruas desertas, por exemplo, a gente gravava sempre com a câmera parada. Você pode reparar que o ator sempre passa no meio da tela, ou na parte de baixo. O resto da tela é uma fotografia que a gente tirou na mesma hora da filmagem, é um frame do filme. No programa de edição de imagens eu fui apagando as pessoas que estavam no lugar. Aí eu colei em cima a imagem do cenário vazio e deixei transparente o lugar onde o ator passa. Na cena com a ambulância manchada de sangue, fiz a mesma coisa: o sangue foi colocado durante a edição. Em todas as cenas com paredes manchadas de sangue usei este recurso.

A internet e seu conhecimento de informática foram fundamentais em todo o processo, né?

Com certeza, aprendemos tudo em outros sites. Tanto os efeitos de edição, quanto os de maquiagem, foram pesquisados em outros sites. E graças ao site conseguimos o apoio para fazer a trilha sonora e a HQ.

Você também estudou fotografia antes de filmar?

Antes de começar a filmar, eu fui testando a fotografia no computador. Tentei fazer com que as cores fossem mudando ao longo do filme, tendendo mais para o vermelho a medida que o ataque dos zumbis fosse aumentando.

Quanto custo o Era dos Mortos?

É difícil dizer. Os gastos com maquiagem e efeitos ficaram por conta do Felipe. Eu entrei com a câmera e comprei as fitas. Gastamos muito pouco, não mais do que R$ 200,00.

Qual a maior dificuldade em todo esse processo?

Era complicado filmar na rua no meio dos carros, pessoas passando. Não tivemos condição de interditar ruas, esvaziar praças, então a gente contava com a sorte e paciência. Também é muito complicado conseguir reunir a equipe toda, sempre acontecia de um não poder no dia de filmar. Mas como ninguém tinha salário, não podia obrigar.

Pensa em fazer uma continuação?

Não, zumbi já deu o que tinha que dar. Não quero nunca mais ver zumbi na vida (risos). Fazer esse filme foi um desafio que encaramos, mas não tenho amor ao tema. Não penso fazer nem continuações nem filmes parecidos.

Fazer cinema é para você um hobie ou gostaria de ganhar a vida como cineasta?

O legal de ser um hobie é que não há cobranças, você não está usando o dinheiro de ninguém, não precisa prestar contas. Mas se eu pudesse ganhar a vida fazendo filmes, com certeza me dedicaria a isso. Acontece que o mercado é muito restrito. Já comecei a fazer uma pós em TV e mídias digitais justamente para conhecer um pouco melhor o sistema de produção. Mesmo que faço um próximo filme nesse esquema, em que ninguém receba, espero encontrar pessoas mais preparadas, atores de verdade que tenham interesse em colaborar.

Como foi descoberto pelos pesquisadores do Cinema de Bordas?

Os pesquisadores encontraram o Era dos Mortos através do nosso site, e me convidaram para participar da mostra. Como as outras colaborações, também foi por acaso que isso aconteceu. No final, tivemos muita sorte. O filme foi lançado há mais de um ano e ainda hoje tem gente comentando, querendo ver. Por causa da mostra, o filme ficou bem conhecido.

Nenhum comentário:

Postar um comentário