quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Crônica



Meu Livro

Depois da separação de Cauã Reymond e Grazi Massafera, meu livro foi o fato mais importante da cultura brasileira em 2013.
Para parecer muita presunção para um jovem autor iniciante, mas que culpa tenho eu de ser o talento mais fulgurante da literatura brasileira desde Paulo Coelho? 
Há exemplos à mancheia para calar os invejosos.
Segundo meu editor, meu trabalho tem a prosódia  de “Grande Sertão: Veredas”, a ironia de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e a densidade dos livros de  José Sarney.
Um renomado professor da USP escreveu que meu livro é o mais incompreensível da literatura mundial desde a publicação de "Finnegans Wake".
O renomado crítico Antonio Candido prometeu abandonar temporariamente sua aposentadoria só para comentar meu livro. O ensaio do mestre de 92 anos deve sair assim que ele conseguir ultrapassar a página 7 sem dormir.
Duas universitárias me mandaram e-mails, encantadas com a sensibilidade feminina do livro. Comi as duas.
Comentaram que só não ganhei o Prêmio Jabuti porque os jurados não souberam em que categoria classificar meu livro: romance, poesia ou informática.
Kleber BamBam, vencedor do 1º Big Brother Brasil, contou que levaria apenas dois livros para uma ilha deserta -  a “Crítica da Razão Pura”, de Kant, e o meu.
Meu livro foi ainda a prova concreta de que toda grande obra de arte é universal e supera qualquer barreira. Obama e Lula, por exemplo, adoraram meu livro  – o que é ainda mais impressionante se levarmos em conta que os dois não entendem o português.
Já um amigo poliglota leu em português e depois a tradução em alemão. Disse que em alemão é melhor.
E fiquei cheio de orgulho quando soube que semiólogos italianos, discípulos de Umberto Eco, querem estudar meu livro. Devem começar tão logo descubram se a história faz mais sentido do começo para o fim ou de trás pra frente.
Tudo isso e tenho apenas 29 anos. Dizem que um tal de Rimbaud foi ainda mais precoce do que eu. 
Mas se for pra comparar com qualquer um, posso citar até meu primo Saulo, que com 13 anos já tinha escrito cadernos e cadernos sobre sua vida no crime.

De volta!


Depois de um tenebroso inverno, o gigante acordou.

Realmente, não era só pelos 0,20 centavos.

Manifestações em todo o Brasil exigiram a volta do Cinemantico. Houve quebra-quebra, bombas, xingamentos, agressões físicas. Um tumulto sem fim.

Um internauta mineiro escreveu que, depois de "A Cinderela Baiana", a ausência do blog foi a coisa mais triste que aconteceu no cinema brasileiro pós-Retomada.

Mas o importante é que voltamos. A meta é ter um pouquinho de cinema, livros, TV e algumas croniquetas.

O resto, como já escreveu o Woody Allen, é evitar os perigos, aproveitar as oportunidades e chegar em casa às seis da tarde.

Elogios, críticas e notas de R$ 100 são bem-vindos.

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Singularidades de um cineasta centenário


O principal diretor português, que está completando 101 anos, fala de sua nova película, baseada em um conto do escritor realista eça de queiroz, e se diz contra "fazer uma experiência" no cinema

MARCO RODRIGO ALMEIDA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Pouco antes de completar 101 anos (seu aniversário foi na sexta-feira), o cineasta português Manoel de Oliveira disse, em entrevista à Folha, que a morte não o assusta, apesar de pensar mais nela. "O que me acompanha é uma certa melancolia", conta. Quem acompanha sua obra, no entanto, sabe que tal desencanto não interrompeu sua capacidade criativa. Desde o início da década de 1990, ele tem lançado em média um filme por ano.
Em visita ao Brasil, foi homenageado com a Ordem do Mérito Cultural, no Rio de Janeiro, em novembro passado. No dia seguinte, recebeu o título de doutor honoris causa da Universidade Federal de Minas Gerais, onde também participou do projeto Sentimentos do Mundo, que debateu sua obra.
Na mesma noite, voltou para Lisboa. "É difícil ter fôlego para acompanhá-lo", disse Aniello Avella, professor de história da cultura dos países de língua portuguesa na Universidade de Roma, 40 anos mais jovem.
O mais recente filme do cineasta, "Singularidades de uma Rapariga Loura" (ainda sem previsão de lançamento no Brasil), baseado em um conto de Eça de Queiroz, foi exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo deste ano.
O primeiro, o curta "Douro, Faina Fluvial", foi lançado em 1931.
O tempo parece correr sempre a favor de Manoel de Oliveira, que iniciou sua principal fase artística com "Amor de Perdição" (1978), quando já tinha 70 anos.
Na entrevista a seguir, concedida em Belo Horizonte num dos intervalos de sua apertada agenda, o diretor falou de sua relação com os atores, de como preserva o mistério dos personagens e do respeito que tem pela obra de grandes romancistas -além de Eça de Queiroz (1845-1900), outros como Camilo Castelo Branco (1825-90).


FOLHA - "Singularidades de uma Rapariga Loura" é a primeira adaptação que o sr. faz de uma obra de Eça. Por que escolheu esse conto, que não é uma de sua obras mais famosas?

MANOEL DE OLIVEIRA - Não é famosa, mas é das minhas prediletas. Na verdade, foi José Régio [escritor português, 1901-69] quem me indicou a leitura. Eu andava muito com ele. O Régio era um homem extremamente sabedor, muito intuitivo. Dizia-me que esse conto era das coisas mais interessantes do Eça.
Muitos anos depois, quando pensei em fazer um filme sobre Eça, lembrei-me desse título e então fui ler o conto. Gostei muito. Primeiro escrevi um roteiro que se passava na mesma época do conto. Depois atualizei para o presente porque o produtor do filme me disse que as tipoias, os guarda-roupas, os transeuntes, tudo era muito impróprio, muito caro.
Era muito difícil de fazer, pois isso se passava no centro de Lisboa. Hoje, a cidade está perdendo o caráter de antigamente. Agora há prédios novos, muitos modernos. E, é claro, os empreiteiros. Os prédios modernos são todos iguais, é tudo a mesma coisa. Muito vidro, muito pouco recato. Gente da rua vê o que está a passar no interior das casas.


FOLHA - Além de ter atualizado a história, o sr. deu mais destaque a Luísa, a rapariga do título. No filme, ela é uma personagem mais complexa.

OLIVEIRA - Mas o filme segue à risca o conto. Não é melhor do que o conto. Pode estar mais ou menos à altura dele, mas não é melhor. Ele principia numa tipoia em que vão dois passageiros. Esses dois passageiros são arrumados numa casa para dormir, no mesmo quarto, um a cada lado. O conto diz que se conta a um desconhecido o que se não conta à mulher ou a um amigo. E de fato é isso, às vezes um desconhecido é um pretexto para um desabafo. Macário [o protagonista], já um homem de idade, já um velhote, desabafa com o outro sujeito, com o narrador, um caso de amor de sua juventude.
A transformação que fiz é que, além de ser jovem, Macário começa o filme fazendo uma viagem para se recuperar da decepção amorosa pela qual passava. Mas a viagem é secundária.
E, em vez de ser a outro cavalheiro, é a uma senhora que ele conta sua história. Uma senhora que ouve atentamente, com os olhos fixos. É uma atitude, um sinal de que a pessoa está muito interessada. Todo movimento é distrativo.
Os realizadores que fazem muitos movimentos, que colocam a câmera para cima, para baixo, de longe e assim sucessivamente, estão a tirar toda a atenção daquilo que se passa, não estão a fixar nada.

FOLHA - Em "Singularidades...", a história aparentemente se passa nos dias de hoje, mas os costumes, as relações entre as personagens são típicos do século 19 e, os diálogos, iguais aos do conto. O sr. não pensou em alterá-los?
OLIVEIRA - Não toquei no diálogo porque não seria cordial tocar no diálogo de Eça, sobretudo não estando ele já vivo. Por outro lado, acho que é muito curioso esse modo de dizer, que é perfeitamente aceitável hoje, mas tem um cunho muito particular, um cunho escrito por um homem que manipulava a língua admiravelmente.
São os dois grandes: Camilo Castelo Branco, que é um romântico, e Eça de Queiroz, que é um realista. São dois vultos muito importantes da nossa literatura.


FOLHA - Apesar de admirar Eça, o sr. já declarou que o realismo por vezes o aborrece. O que o desagrada nesse estilo?

OLIVEIRA - Por exemplo, em "Os Maias" e em outros livros, há descrições muito extensas. Descreve muito o tapete, os diferentes tipos de tapetes, os móveis, aquela coisa toda. Era típico do realismo da época. A pintura poderia traduzir isso, não é?
O realismo hoje já não se distrai com o ambiente. É diferente. Mas acho que, nesse conto do Eça, o diálogo é muito bonito e dá um certo sabor.


FOLHA - Em "Singularidades...", Luísa é uma personagem que não chegamos a compreender totalmente. Quando retomou "A Bela da Tarde" (1967), de Buñuel, no filme "Sempre Bela" (2006), o sr. também não esclareceu o que aconteceu com aqueles personagens. Antes, aprofundou ainda mais o mistério que já existia na história original. Como o sr. desenvolve seus personagens?

OLIVEIRA - Minha explicação das personagens é o desenvolvimento da ação. Essa qualidade artística dá uma expressão intuitiva e vai para além da capacidade natural delas. Quer dizer, elas ficam muito mais humanas, no bom ou no mau sentido. O que dá às atrizes e aos atores a possibilidade de transpor uma realidade que normalmente não se vê.
No meu filme "A Caixa" [1994], isso é muito revelador.
Há duas mulheres que se encontram, com filhos no colo, e medem sua força feminina, sua capacidade feminina. Isso é extraordinário, ultrapassam suas próprias personalidades. Na vida corrente, não são da mesma maneira.
Bem, as atrizes estão realmente exprimidas. Porque arte é expressão. Eu não gosto muito dessa coisa que dizem agora, "vou fazer uma experiência". O José Régio, por exemplo, dizia que experiência se faz em casa.
Quando se faz um filme, uma pintura, não se está a experimentar coisa nenhuma. Está-se a dar, totalmente a dar, a dar na sua totalidade. E o que vai é aquilo, sai bem ou sai mal, mas não se está a fazer uma experiência coisa nenhuma.


FOLHA - Como o sr. consegue envolvimento, entrega por parte dos atores?

OLIVEIRA - Dou muita liberdade aos atores. Não me oponho ao que eles fazem; vejo o que fazem, se está bem, eu digo bem; se está mal, digo "não, não, faça assim, faça assado, desta ou daquela maneira".
Eles leem o papel, estudam e criam seu personagem. O verdadeiro ator é muito bonito e muito determinado. Seja qual for sua técnica. Eu deixo que faça como achar melhor.

FOLHA - Seus últimos filmes estão mais curtos. "Singularidades..." tem apenas 63 minutos, "Cristóvão Colombo - O Enigma" (2007) tem 75 e "Sempre Bela" (2006) tem 68 minutos. O sr. fez filmes muito longos por algum tempo. A experiência lhe permite ir direto ao ponto?

OLIVEIRA - Não. Creio que, quando a gente começa a ter uma vida muito longa, começa a fazer filmes mais curtinhos (risos).
Não sei... "Amor de Perdição" [1978] tem quatro horas e 20 minutos. Na França foi um sucesso, a crítica adorou o filme. Em Portugal foi um desastre.
Enfim... Minha posição é clara. Há realizadores que buscam, invocam prêmios. Eu sigo os meus princípios. Dizem que ninguém é perfeito no seu próprio país. Embora não seja perfeito, coisa boa não há de se esperar na própria casa.


FOLHA - O sr. faz 101 anos e seus filmes possuem enorme frescor e vitalidade. Como o sr. se sente?

OLIVEIRA - Eu me sinto mais novo (risos). A morte não me assusta, o sofrimento, sim. O que me acompanha é uma certa melancolia. Porque vi desaparecerem muitas pessoas queridas. Primeiro os pais, depois os irmãos e mesmo os amigos.
Não tenho nenhum amigo da minha idade que diga "ó, rapaz, lembra-se de quando tínhamos 17 anos e tal...". É uma melancolia muito forte.
Pensa-se mais na morte. Estou casado há 70 anos com a Maria Isabel. Ela quer que eu morra primeiro. E eu quero que ela morra primeiro (risos). Para que ela seja acompanhada na sua morte [no seu enterro], para que eu seja acompanhado na minha morte [no meu enterro].
Mas não está nas nossas mãos decidir, não é mesmo?
É claro, a gente pensa "o que será depois da morte da minha mulher", mas não posso perguntar o que será depois da minha morte. A gente sabe que é inútil.
O homem é um bicho de uma curiosidade infinita, mas de um conhecimento muito limitado.
(Entrevista publicada no caderno "Mais!", do jornal Folha de S.Paulo, em 13 de dezembro de 2009)

terça-feira, 24 de novembro de 2009

No Meu Lugar


Um pouco antes do Festival de Cannes começar, em maio deste ano, eu conversei com Eduardo Valente, cineasta e editor do site "Revista Cinética", que apresentou seu filme "No Meu Lugar" na "Sessão Especial" da seleção oficial do Festival.

Embora “No Meu Lugar”, em cartaz em algumas cidades, seja o primeiro longa dirigido por ele, Valente já é um veterano em Cannes. Em 2002 venceu a mostra Cinéfondation, dedicada a estudantes de cinema, com o curta-metragem “Um Sol Alaranjado”. Já em 2005 participou do programa de residência do Festival, no qual jovens realizadores passam cinco meses na França desenvolvendo projetos de filmes.

Abaixo, a entrevista com ele, feita por email.


Para não fugir do óbvio, o que Cannes pode representar para a carreira do filme? Pode te ajudar a alavancar outros projetos?


Sem dúvida, no caso de um longa, a melhor coisa é que esta presença permite muita visibilidade para o filme tanto aos olhos de selecionadores de outros festivais internacionais, como compradores de todos os tipos (TVs, etc), assim como no Brasil permite uma cobertura de imprensa que pode nos garantir maior atenção quando lançarmos o filme. Tudo isso é muito importante, e a princípio o que realmente me interessa, mais que qualquer alavancagem futura


Como você situaria o "No meu Lugar" em relação aos curtas que realizou?
Um aprofundamento de temas, estéticas e abordagens, ou um novo caminho?


Olha, aí é onde acho que o cineasta precisa se separar do crítico e deixar que estas análises venham dos outros. A gente tem muita dificuldade de olhar nossos próprios filmes com tanta distância. Eu tenho certeza que há coisas que conectam os filmes de alguma maneira, mas também sei que eles são todos muito diferentes. Mas não quero teorizar sobre meu próprio trabalho.

Além da estrutura maior, no que difere seu trabalho de cineasta quando> realiza um curta e um longa?


Mais que a estrutura, a mudança é da dinâmica do tempo mesmo. É um tempo muito maior de preparação, de filmagem, de finalização. Por isso, o cineasta precisa conseguir manter a energia viva ao mesmo tempo tentando não deixar seu desejo por aquele projeto se saturar por super exposição a ele em algum momento. É o desafio.


Como acha que "No meu lugar" se situa no panorama do cinema brasileiro atual? O tema da violência urbana é frequente nos nossos filmes. Como tentou uma abordagem nova para ele?


Também acho que isso não cabe a mim dizer muito, mas sei que meu maior interesse era se relacionar com a minha experiência de carioca, hoje, que ainda não tinha visto nas telas da maneira como a sinto. Acho que a violência aparece sim no filme, mas ele não é apenas sobre isso. Mostro uma cidade imersa numa situação violenta, mas que vive mesmo assim: sente, sorri, chora


O período que passou como bolsista em Cannes foi para desenvolver o longa? No que esta experiência pode ter enriquecido o filme?


Foi, mas o trabalho efetivo que fiz por lá foi pequeno. Foi mais uma questão de produção do que qualquer coisa. Mas a experiência foi riquíssima porque morar em Paris por 5 meses, para um apaixonado por cinema como eu, é um sonho. Passava boa parte do dia dentro de salas de cinema ou indo de uma para outra. Disso, ninguém sai intacto.


Como é a convivência do Valente crítico com o Valente cineasta? Se complementam ou você tenta distinguir os papéis?


Eles se dão bem. Sério, não tem essa distinção, é a mesma pessoa. O que muda é o impulso. É como pedir pra você me dizer a diferença do Marco Rodrigo que troca uma lâmpada pro que lê o jornal. São duas atividades completamente diferentes, então as coisas que te pedem são completamente diferentes, mas isso não quer dizer que precise ter dois Marcos Rodrigos para fazer essas duas coisas. A comparação pode parecer absurda mas, acredite, não é muito não.


Se comentou, com certa ironia, que o filme tem muitos plots e histórias paralelas, com a violência ligando os personagens, formato que lembraria os filmes de Iñárritu, cineasta que você não admira. O crítico Valente veria "No Meu Lugar" com um pé atrás?


O crítico Valente não vê nenhum filme com pé atrás. Claro que depois que conhecemos um diretor, podemos esperar mais ou menos dele, já que será um mesmo olhar que nos fala mais ou menos por trás do filme. Mas ainda assim somos bastante surpreendidos. Não acho que haja maus formatos, más estéticas, más propostas e sim as que são bem ou mal desenvolvidas.


Mesmo já tendo feitos curtas, costumamos associar o primeiro longa com o nascimento de um cineasta. Pretende continuar exercendo publicamente o papel de crítico e curador de festivais? Acredita que algo mudará, ou já mudou, a partir da experiência de "No Meu Lugar" quando for escrever sobre algum filme, especialmente se for brasileiro?


Deve ter mudado muita coisa, mas como ainda não comecei minha terapia psicanalítica, não poderia dizer o quê. Sério, nós mudamos o tempo inteiro, então porque ao passar um ano e meio fazendo algo não mudaríamos? Mas não acho que seja nada que se sinta e tenha consciência e sim parte do processo. Sempre continuarei sendo um crítico e curador, principalmente porque não é um "papel que eu exerço" e sim algo que eu sou e adoro ser. Tenho mais certezas sobre isso do que sobre fazer filmes, o que é muito interessante, mas cuja dinâmica e processo nunca me fariam querer como ocupação do dia a dia. Sou um crítico que faz filmes.


Como é conseguir financiamento para um primeiro longa? O sucesso de "Um Sol Alaranjado" em Cannes facilitou na hora de captar os recursos?


É uma das coisas do processo com o qual não aprecio muito lidar ou discutir longamente. É difícil, para um filme como o nosso tanto mais (sem atores famosos, sem um gênero comercial ao qual se filie, etc). O curta certamente não atrapalha em nada, ajuda sempre as pessoas saberem quem você é, mas também não abriu nenhuma grande porta claramente não.


Dizem que no primeiro filme o cineasta quer homenagear todos os filmes e cineastas de que gosta. No seu caso foi assim também? Quais seriam as maiores influências?


Todo filme que eu vejo me influencia, inclusive os que eu detesto, queme influenciam a pensar sobre coisas que não quero fazer. Mas não fiz o filme para homenagear ninguém, e não creio que ele faça isso. Mas ,de novo, cabe a outras pessoas dizerem se fiz sem nem me dar conta.


Quais são os próximos projetos?


Manter a Cinética em andamento à toda, como tem estado atualmente, é o maior projeto - que, por isso mesmo eu amo, é diferente todo dia, toda semana, todo mês. Nunca é a mesma coisa. Para filmes, por enquanto, o projeto é aproveitar um pouco a vida deste aí: viajar com ele para alguns festivais para ouvir opiniões distintas, lançar em circuito, ir a debates, em suma, curtir o fato de termos realizado este filme. Os próximos projetos, estes virão na hora certa.

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os Insultos Estão de Volta



Nova edição dos artigos e reportagens de H. L. Mencken é lançada no Brasil. O escritor Ruy Castro, organizador e tradutor da coletânea, comenta a atualidade do mais famoso jornalista americano das décadas de 20 e 30


A mente mais iconoclasta do jornalismo retorna às livrarias brasileiras no momento em que a imprensa está sob fogo cruzado. O Livro Dos Insultos (seleção, tradução e posfácio de Ruy Castro; Companhia das Letras; 264 páginas; R$ 46,00), reunião dos textos do jornalista norte-americano H. L. Mencken publicados nas primeiras décadas do século XX, volta ao mercado em meio às notícias de crise financeira de jornais e revistas nacionais e internacionais. No Brasil, há ainda a polêmica do fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Em cenários de transição como esse, férteis para teorias apocalípticas, nada melhor que relembrar o jornalista que mais nocauteou falsas certezas. Ler O Livro Dos Insultos é mais uma vez confirmar que o jornalismo escrito, seja lido no papel ou na tela do computador ou do celular, será sempre o reduto do debate intelectual.
Poucos jornalistas exemplificaram tanto esse pensamento quanto Mencken, “o mais poderoso cidadão privado da América”, como sentenciou o “New York Times” em 1926. Mencken escreveu praticamente sobre todos os assuntos, demolindo com muita ironia o senso comum da sociedade americana do início do século passado. No entanto, ou talvez justamente por isso, foi o jornalista mais lido e comentado da época. A cada novo artigo, abalando as verdades estabelecidas dos leitores e a hipocrisia das instituições, ele provava que o jornalismo cotidiano também pode ser feito com textos densos, opinativos e sarcásticos. Melhor ainda, que resistem à passagem do tempo. Inúmeras de suas frases (“Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”, “A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável”) e textos tornaram-se clássicos.
Em 1925, por exemplo, ele fez uma série de reportagens sobre o julgamento de um professor de ciências acusado de violar uma lei estadual por ensinar Darwin aos alunos do ginásio (na época, era proibido em alguns estados americanos ensinar qualquer teoria sobre a criação do homem que não fosse a da Bíblia). Com um material desses na mão, Mencken pintou e bordou, e fez o jornal provinciano em que escrevia, Evening Sun, ser reconhecido nacionalmente. Sua intensa crítica ao fundamentalismo religioso causou tanto furor que anos depois, em 1960, a história inspirou o filme O Vento Será tua Herança, no qual Gene Kelly fazia o papel de Mencken.
Morto há 53 anos, Mencken é ainda fonte de inspiração para muitos jornalistas da atualidade, nos EUA e no resto do mundo. Entre eles está Ruy Castro, organizador e tradutor do livro, um dos seguidores desse jornalismo quase em extinção que mistura bom texto, cultura e humor. Ruy começou a ler Mencken na década de 80, e não pensou duas vezes quando a Companhia das Letras lhe encomendou o lançamento de um autor americano ainda inédito no país. Para o volume, Ruy selecionou textos de Mencken comentando questões políticas e sociais (governo, democracia, economia), artísticas (literatura, música, pintura) e morais (morte, religião, relação homens X mulheres) que envolviam o homem americano. “Mencken juntou reportagem com opinião. Esse foi o seu grande impacto”, diz.
A primeira edição d´ O Livro dos Insultos saiu em 1988. Nesses 21 anos, muita coisa mudou - no mundo e no jornalismo. Mas como explica Ruy Castro na entrevista a seguir, os “insultos” de Mencken, além de saborosos de ler, são ainda vivíssimos retratos da complexidade e mesquinhez da fauna humana. Como todo bom jornalismo deveria ser.

Quando o senhor descobriu a obra de H. L. Mencken?
Ouvi falar em Mencken pela primeira vez nos anos 60, por causa do filme O vento será tua herança, sobre o julgamento do macaco, em que ele é interpretado por Gene Kelly. Mas só fui lê-lo muito depois, nos anos 80, quando mandei buscar alguns de seus livros.

O que motivou o lançamento da primeira edição do livro, em 1988?
Em 1987, eu tinha acabado de editar para a Companhia das Letras uma seleção de contos de Dorothy Parker, que até então nunca tinha saído em livro no Brasil. Luiz Schwarcz me perguntou qual outro escritor americano eu gostaria de lançar, e eu disse na bucha: Mencken.


Quais foram os critérios de seleção dos textos? Como foi traduzir para o português o estilo irônico e incisivo de Mencken?
O critério foi o da importância e da variedade dos textos. Como Mencken nunca tinha saído em português, tentei dar uma visão bem abrangente do que ele escrevia. E, por incrível que pareça, achei muito fácil traduzi-lo. Difícil é traduzir Scott Fitzgerald.


Mencken morreu há mais de 50 anos. A primeira edição do livro foi lançada há 21. Nesse tempo, inúmeras mudanças aconteceram nas redações de jornalismo. O que mantém de atualidade desses “insultos” tantos anos depois?
As redações sempre precisarão de alguém que saiba apurar e escrever, como ele. O fato de Mencken ter sempre uma "opinião" não o torna antigo, comparado à pretensa objetividade buscada pela imprensa de hoje. Aqui no Brasil, Paulo Francis morreu outro dia -- há 12 anos -- e ainda não tivemos outro igual [não levo em conta, evidentemente, seus copiadores baratos]. Faz muita falta.

Mencken tinha uma vastíssima curiosidade intelectual. Publicou um livro de filologia (The American Language), escrevia sobre os mais diversos assuntos. Acha que jornalistas como ele estão em extinção? As escolas e faculdades de comunicação estão capacitadas para oferecer esse tipo de formação aos alunos?
Sim, jornalistas como Mencken estão em extinção -- porque a inteligência está em extinção. Claro, nada impede que as escolas e faculdades produzam um ou outro talento. Mas este deverá tanto a si mesmo quanto às escolas, e estas não serão necessariamente as de jornalismo.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Dicionário de Filmes Brasileiros


O economista Antônio Leão da Silva Neto, 52 anos, transformou seu interesse por cinema em uma missão colossal: catalogar todos os longas-metragens já produzidos no Brasil. O resultado da pesquisa originou o livro Dicionário de Filmes Brasileiros – Longa-Metragem, publicado em 2002 e esgotado desde 2004. No início de julho, Leão lançou uma segunda edição, revista e atualizada. Em 1.152 páginas, o livro traz sinopses, comentários, informações e fichas técnicas completas dos 4.194 filmes produzidos no Brasil, entre 1908 e abril de 2009. Para esta segunda edição, houve o acréscimo de 800 títulos, além da ampliação de informações sobre os que já constavam na edição anterior. O lançamento teve o apoio da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura (SAv/MinC), por meio do Fundo Nacional de Cultura, e parceria com o Instituto Brasileiro Arte e Cultura (Ibac).

Ainda menino, Leão colecionava fotogramas em 16 mm coletados na Boca do Lixo, região do bairro da Luz, em São Paulo, na qual centenas de filmes foram produzidos entre as décadas de 50 e 80. Leão chegou a ter 5 mil títulos de todos os países, e hoje possui 500 apenas do cinema brasileiro. Detalhes de todas essas obras eram anotados em fichas, que originaram uma série de livros sobre cinema. Além das duas edições do Dicionário de Filmes Brasileiros – Longa-Metragem, Leão também lançou Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro (1998), Dicionário de Filmes Brasileiros - Curta e Média Metragem (2006), Ary Fernandes - Sua Fascinante História (Coleção Aplauso, 2006) e Miguel Borges - Um Lobisomem Sai da Sombra (Coleção Aplauso, 2008), todos fundamentais para pesquisadores ou para quem simplesmente gosta de cinema.
Na entrevista por e-mail, Leão explica seu processo de pesquisa, comenta seus próximos planos e analisa a história do cinema nacional.

Como o cinéfilo se tornou pesquisador do cinema nacional?

Me tornei pesquisador por acaso. Eu tinha necessidade de informações e elas não existiam, a Internet era um sonho impossível, então comecei a fazer um fichário de filmes e atores. Esse fichário, por sugestão dos amigos, gerou meu primeiro livro, Astros e Estrelas do Cinema Brasileiro; foi assim que tudo começou.

Quais foram as fontes de pesquisa para realizar o primeiro Dicionário de Filmes Brasileiros – Longa Metragem, lançado em 2002?
A base do livro foi meu fichário e os dois volumes do Araken Campos Peixoto Jr., editados em 1978; mas eram incompletos, então pesquisei muito na Cinemateca Brasileira, fiz contato com produtores, fui atrás de VHS (na época o DVD ainda engatinhava), catálogos de festivais, etc

Deve ter sido um trabalho imenso. Quanto tempo levou essa pesquisa?

Esse dicionário de 2002 levou cinco anos para ser feito. E agora mais cinco para atualizá-lo.

Li que o senhor financiou a primeira edição. As editoras não se interessaram pela obra?
Dos meus seis livros, dois foram financiados por mim. O primeiro, o de longas, foi muito bem e deu lucro. No de curtas, perdi tudo que ganhei no outro. Mas valeu a pena, não me arrependo. Para a segunda edição consegui apoio do FNC - Fundo Nacional de Cultura, através do interesse direto do secretário Silvio Da-Rin, que já conhecia o meu trabalho.

O primeiro filme citado no dicionário é de 1908. Nossa produção de longas começou aí?

Sim, nosso primeiro longa chama-se Os Estranguladores, é de 1908. Mas o cinema no Brasil começou em 1897 e essas informações estão todas no meu dicionário de curtas. Os Estranguladores é um filme de ficção, mas perdido, só sobraram poucas informações. Aliás, 97% do cinema mudo brasileiro (até 1930) está perdido.

Quais são as principais alterações dessa segunda edição? Por que o senhor decidiu fazê-la?

Em 2004 meu dicionário já estava esgotado. Devido à grande procura, resolvi começar a atualizá-lo. A principal novidade é a inclusão de produções em suporte digital.

O livro tem 4.194 sinopses. Esse é o número total de filmes produzidos no país ou o senhor acha que existiriam ainda outros filmes perdidos, dos quais não temos mais nenhuma informação?

Sim, esse é o número. Poderão faltar algumas produções recentes em digital, principalmente do norte e nordeste, as quais não têm acesso às informações. Mas eu diria que 99,9 % dos longas produzidos estão ai no dicionário.

O senhor pretende continuar atualizando o dicionário?

Existe o projeto de um portal, um IMDB brasileiro, mas ainda não tem nada concreto. No momento, vou tratar da atualização e edição do meu dicionário de atores, meu primeiro livro, num projeto para 2010.

Desse apanhado geral da nossa cinematografia, o que o senhor conclui ?

Estamos produzindo muito, talvez 100 filmes por ano, mas exibindo pouco, visto que 90 % das telas brasileiras ficam ocupadas com filmes americanos. Algo tem que ser feito, pois o público não está tendo acesso às nossas produções, exceção feita a Globo Filmes, mas é muito pouco.

Numericamente, qual o gênero de filme mais produzido no país ao longo desses 101 anos?

Seria ficção, principalmente dramas policiais existenciais.

E quais são os gêneros menos visitados pelo cinema nacional?

Ficção científica quase não existe e terror só dois cineastas fazem: o Mojica e o Ivan Cardoso. O Brasil não tem tradição nesse gênero. Inclusive podemos incluir animação nesse rol.

Como o senhor avalia a importância do dicionário de longas?

Avalio pela repercussão do primeiro, em 2002, que hoje é adotado por todos que militam no cinema, até pergunta na Fuvest já foi feita com base no dicionário. Então acho que é uma obra importante, com o perdão da modéstia. Num momento em que todos se preocupam somente com o cinema americano, quando surge algo sobre nosso cinema, torna-se novidade.

COMO ADQUIRIR Os interessados pelo livro devem entrar em contato com o Ibac no e-mail ibac@ibacbr.com.br ou pelo telefone (11) 2996-6020

quinta-feira, 16 de julho de 2009

Era dos Mortos: Cinema de Bordas em Minas



Era dos Mortos é um exemplo de Cinema de Bordas feito em Minas Gerais. Como outros filmes exibidos na mostra, esse média-metragem foi realizado por uma equipe amadora, que contou, com pouquíssimos recursos financeiros, uma história de terror ocorrida numa cidade pequena (Santos Dumont).
Mas Era dos Mortos tem algumas peculiaridades que o diferenciam dos demais filmes caseiros e, dentro do universo dos filmes de Bordas, fazem dele quase uma superprodução. A edição e os efeitos especiais são competentes, a história mantém um constante clima de tensão, e o espectador leva uns bons sustos ao longo do filme. Como nas produções industriais, Era dos Mortos deu origem a outros produtos: uma HQ, que aprofunda e amplia a narrativa, e a trilha sonora, repleta de rock metal. Ambas, além do próprio filme, estão disponíveis para download no site do Era dos Mortos (http://www.eradosmortos.com.br/).
No comando dessa produção está o cineasta Rodrigo Brandão, 23 anos, com quem eu conversei no Planet Music, num papo embalado por fanta uva e coca-cola.

Como surgiu seu interesse em fazer cinema?

Eu sempre tive esse interesse, a vontade de fazer filmes com meus amigos. Antes do Era dos Mortos nós fizemos vários curtas, mas todos pra consumo interno, nunca pensamos em exibi-los para um público maior. A gente fazia, filmava qualquer coisa, e já estava bom. Um planejamento maior só veio mesmo com o Era dos Mortos.

Você sempre gostou de filmes de terror?

Ao contrário de outros cineastas de bordas, quando eu era adolescente não gostava de ver filmes de terror. Só bem mais tarde, quando passei a conhecer outros gêneros de cinema, comecei a gostar de terror, pelo tipo de sensação que ele provoca no público. Meus prediletos são os filmes de terror mais atuais, como Extermínio (2002), Albergue (2005). Não gosto do estilo Pânico (1996), meio terrir, que faz gozação com o gênero.

E Zé do Caixão, já assistiu aos filmes dele?

O filme novo, A Encarnação do Diabo (2008), é muito legal. Os antigos também são legais, mas são muito precários, parecem vários filmes pequenos encaixados um no outro, sem uma unidade.

Você comentou que não gosta de “terrir”, e na mostra do Cinema de Bordas o seu filme era um dos poucos que levava o terror a sério, que não queria fazer uma paródia do gênero.

Exatamente, meu interesse maior é no ambiente da história. A gente não tinha equipamentos nem atores profissionais, mas a tentativa era criar um ambiente verdadeiro, uma sensação sombria, de solidão. Não era contar uma história com os carinhas fazendo palhaçada. Minha intenção sempre foi fugir disso.

Como surgiu a Era dos Mortos?

Quando três amigos e eu decidimos fazer algo mais sério, fizemos uma reunião para escolher que filme fazer. No meio da conversa, alguém deu a ideia de fazer um filme de zumbi (hoje ninguém lembra de quem foi a ideia). Mas foi unânime: todo mundo gostou do desafio de fazer um filme de zumbi bem feito em Santos Dumont. Na verdade, todo mundo faz um pouco de tudo no filme. Tem cenas que o ator principal também filma, fez papel de zumbi também, ou segura a luz. Quam a gente encontrasse pelas ruas era convidado a ajudar em alguma coisa.

Quais equipamentos vocês usaram?

Eu usei uma câmera Mini-Dv que comprei em 2004, justamente para brincar de filmar. Na época, já tinha experiência de edição, já tinha editado uns vídos de alguns amigos. A partir daí, passei a dirigir e a editar os filmes.

Como foi o processo de escrever o roteiro?

Nós quatro começamos a escrever no início de 2006, o filme só foi lançado em 2008. O roteiro demorou uns nove meses para ficar pronto. A gente só se reunia nos fins de semana, íamos reescrevendo e mudando aos poucos. Por isso mesmo é uma história simples, baseada em ações fortes. Desde o início a gente tentou evitar escrever diálogos. Primeiro, porque não tínhamos atores profissionais; segundo, porque minha filmadora não captava o som muito bem.

Vocês escreveram já pensando nessas limitações.

Sim, escrevemos uma história que pudesse ser contada com o que tínhamos disponível: uma câmera com defeito, quatro pessoas que poderiam ser atores com falas e uma cidade vazia nos fins de semana. Mesmo assim, algumas coisas não puderam ser filmadas, seja por falta de equipamentos ou de equipe preparada. Quando acabaram as filmagens e o site do filme já estava no ar, um desenhista de São Paulo, o Micael Holderbaum, me procurou propondo fazer uma HQ promocional do Era dos Mortos. Aí transformamos as partes que não foram filmadas em três histórias paralelas, contanto o que acontecia com os personagens antes do filmar começar. Depois, lançamos a HQ junto com o filme.

A música também foi uma colaboração realizada através da internet.

Então, durante as filmagens um cara chamado Harlem Pinheiro, de Campos, no Rio de Janeiro, entrou no site e se ofereceu a fazer a trilha sonora. Eu gostei das músicas dele, achei que combinavam com o filme, e ele ainda compôs mais três músicas para o Era dos Mortos. Uma banda do interior de São Paulo também me procurou, e coloquei a música deles nos créditos do filme. Nosso contato foi todo através da internet, só fui conhecer o Harlem depois. Tudo colaboração, eles também não receberam nada por isso. Apenas viram nosso site, gostaram da ideia, e quiseram apoiar. O filme, a trilha e a HQ estão no site, disponíveis para quem quiser baixar.

Quantos downloads foram feitos do filme?

O servidor registrou mais de seis mil tentativas de downloads, de pessoas que começaram a baixar. O servidor não contabiliza quantas terminaram, mas tivemos mais de seis mil tentativas. No site, eu mesmo aconselho a distribuir o filme, colocar no torrent, emule.

A filmagem também foi demorada, como a etapa do roteiro?

Nós também só filmamos nos fins de semana. Foram apenas 27 dias, mas espalhados ao longo de um ano. A gente tinha que encaixar as filmagens na agenda de toda a equipe. O Felipe Vidal, que fez a maquiagem, trabalhava como maquinista, os dois atores principais estavam estudando para vestibular, ninguém tinha tempo para se dedicar totalmente. E como muitas cenas acontecem nas ruas de Santos Dumont, a gente precisava de um dia com pouco movimento, poucos carros circulando.

Como foram feitas as cenas em que os zumbis comem outras pessoas?

O Felipe, que se candidatou a fazer a maquiagem e os efeitos, ficou uns seis meses estudando as técnicas pela internet. No making-off coloquei alguns testes de maquiagem. Nas cenas em que os zumbis comem pedaços de outras pessoas, ele usou tripa de porco, com água e farinha. Já o sangue era Nescau com chocolate.

Foi difícil conseguir voluntários para os papéis de zumbis?

Na hora em que viram a gente filmando na rua, várias pessoas me procuraram querendo participar. Na maioria, os zumbis são todos nossos amigos, da nossa faixa etária. Quem teve interesse acabou participando do filme. Eu só avisava que a gente iria sujar e rasgar as roupas deles.

A filmagem foi bastante longa, teve algum cuidado especial com a questão da continuidade?

A gente sempre tentava filmar uma cena completa num único dia. Não tinha essa de terminar no meio e voltar depois para concluir uma cena. Assim a gente tentava evitar os erros de continuidade. Mas mesmo assim, muitos erros aconteceram. Na cena final, por exemplo, o protagonista aparece com uma camisa diferente da que usava na cena anterior.

Durante a apresentação do filme na mostra Cinema de Bordas, você comentou que seu maior prazer no processo de fazer um filme é a edição, até porque você trabalha na área de ciências da computação. Você usou muitos efeitos na montagem do filme?

Sim, em várias partes. Nas cenas do posto de gasolina ou de ruas desertas, por exemplo, a gente gravava sempre com a câmera parada. Você pode reparar que o ator sempre passa no meio da tela, ou na parte de baixo. O resto da tela é uma fotografia que a gente tirou na mesma hora da filmagem, é um frame do filme. No programa de edição de imagens eu fui apagando as pessoas que estavam no lugar. Aí eu colei em cima a imagem do cenário vazio e deixei transparente o lugar onde o ator passa. Na cena com a ambulância manchada de sangue, fiz a mesma coisa: o sangue foi colocado durante a edição. Em todas as cenas com paredes manchadas de sangue usei este recurso.

A internet e seu conhecimento de informática foram fundamentais em todo o processo, né?

Com certeza, aprendemos tudo em outros sites. Tanto os efeitos de edição, quanto os de maquiagem, foram pesquisados em outros sites. E graças ao site conseguimos o apoio para fazer a trilha sonora e a HQ.

Você também estudou fotografia antes de filmar?

Antes de começar a filmar, eu fui testando a fotografia no computador. Tentei fazer com que as cores fossem mudando ao longo do filme, tendendo mais para o vermelho a medida que o ataque dos zumbis fosse aumentando.

Quanto custo o Era dos Mortos?

É difícil dizer. Os gastos com maquiagem e efeitos ficaram por conta do Felipe. Eu entrei com a câmera e comprei as fitas. Gastamos muito pouco, não mais do que R$ 200,00.

Qual a maior dificuldade em todo esse processo?

Era complicado filmar na rua no meio dos carros, pessoas passando. Não tivemos condição de interditar ruas, esvaziar praças, então a gente contava com a sorte e paciência. Também é muito complicado conseguir reunir a equipe toda, sempre acontecia de um não poder no dia de filmar. Mas como ninguém tinha salário, não podia obrigar.

Pensa em fazer uma continuação?

Não, zumbi já deu o que tinha que dar. Não quero nunca mais ver zumbi na vida (risos). Fazer esse filme foi um desafio que encaramos, mas não tenho amor ao tema. Não penso fazer nem continuações nem filmes parecidos.

Fazer cinema é para você um hobie ou gostaria de ganhar a vida como cineasta?

O legal de ser um hobie é que não há cobranças, você não está usando o dinheiro de ninguém, não precisa prestar contas. Mas se eu pudesse ganhar a vida fazendo filmes, com certeza me dedicaria a isso. Acontece que o mercado é muito restrito. Já comecei a fazer uma pós em TV e mídias digitais justamente para conhecer um pouco melhor o sistema de produção. Mesmo que faço um próximo filme nesse esquema, em que ninguém receba, espero encontrar pessoas mais preparadas, atores de verdade que tenham interesse em colaborar.

Como foi descoberto pelos pesquisadores do Cinema de Bordas?

Os pesquisadores encontraram o Era dos Mortos através do nosso site, e me convidaram para participar da mostra. Como as outras colaborações, também foi por acaso que isso aconteceu. No final, tivemos muita sorte. O filme foi lançado há mais de um ano e ainda hoje tem gente comentando, querendo ver. Por causa da mostra, o filme ficou bem conhecido.