terça-feira, 24 de novembro de 2009

No Meu Lugar


Um pouco antes do Festival de Cannes começar, em maio deste ano, eu conversei com Eduardo Valente, cineasta e editor do site "Revista Cinética", que apresentou seu filme "No Meu Lugar" na "Sessão Especial" da seleção oficial do Festival.

Embora “No Meu Lugar”, em cartaz em algumas cidades, seja o primeiro longa dirigido por ele, Valente já é um veterano em Cannes. Em 2002 venceu a mostra Cinéfondation, dedicada a estudantes de cinema, com o curta-metragem “Um Sol Alaranjado”. Já em 2005 participou do programa de residência do Festival, no qual jovens realizadores passam cinco meses na França desenvolvendo projetos de filmes.

Abaixo, a entrevista com ele, feita por email.


Para não fugir do óbvio, o que Cannes pode representar para a carreira do filme? Pode te ajudar a alavancar outros projetos?


Sem dúvida, no caso de um longa, a melhor coisa é que esta presença permite muita visibilidade para o filme tanto aos olhos de selecionadores de outros festivais internacionais, como compradores de todos os tipos (TVs, etc), assim como no Brasil permite uma cobertura de imprensa que pode nos garantir maior atenção quando lançarmos o filme. Tudo isso é muito importante, e a princípio o que realmente me interessa, mais que qualquer alavancagem futura


Como você situaria o "No meu Lugar" em relação aos curtas que realizou?
Um aprofundamento de temas, estéticas e abordagens, ou um novo caminho?


Olha, aí é onde acho que o cineasta precisa se separar do crítico e deixar que estas análises venham dos outros. A gente tem muita dificuldade de olhar nossos próprios filmes com tanta distância. Eu tenho certeza que há coisas que conectam os filmes de alguma maneira, mas também sei que eles são todos muito diferentes. Mas não quero teorizar sobre meu próprio trabalho.

Além da estrutura maior, no que difere seu trabalho de cineasta quando> realiza um curta e um longa?


Mais que a estrutura, a mudança é da dinâmica do tempo mesmo. É um tempo muito maior de preparação, de filmagem, de finalização. Por isso, o cineasta precisa conseguir manter a energia viva ao mesmo tempo tentando não deixar seu desejo por aquele projeto se saturar por super exposição a ele em algum momento. É o desafio.


Como acha que "No meu lugar" se situa no panorama do cinema brasileiro atual? O tema da violência urbana é frequente nos nossos filmes. Como tentou uma abordagem nova para ele?


Também acho que isso não cabe a mim dizer muito, mas sei que meu maior interesse era se relacionar com a minha experiência de carioca, hoje, que ainda não tinha visto nas telas da maneira como a sinto. Acho que a violência aparece sim no filme, mas ele não é apenas sobre isso. Mostro uma cidade imersa numa situação violenta, mas que vive mesmo assim: sente, sorri, chora


O período que passou como bolsista em Cannes foi para desenvolver o longa? No que esta experiência pode ter enriquecido o filme?


Foi, mas o trabalho efetivo que fiz por lá foi pequeno. Foi mais uma questão de produção do que qualquer coisa. Mas a experiência foi riquíssima porque morar em Paris por 5 meses, para um apaixonado por cinema como eu, é um sonho. Passava boa parte do dia dentro de salas de cinema ou indo de uma para outra. Disso, ninguém sai intacto.


Como é a convivência do Valente crítico com o Valente cineasta? Se complementam ou você tenta distinguir os papéis?


Eles se dão bem. Sério, não tem essa distinção, é a mesma pessoa. O que muda é o impulso. É como pedir pra você me dizer a diferença do Marco Rodrigo que troca uma lâmpada pro que lê o jornal. São duas atividades completamente diferentes, então as coisas que te pedem são completamente diferentes, mas isso não quer dizer que precise ter dois Marcos Rodrigos para fazer essas duas coisas. A comparação pode parecer absurda mas, acredite, não é muito não.


Se comentou, com certa ironia, que o filme tem muitos plots e histórias paralelas, com a violência ligando os personagens, formato que lembraria os filmes de Iñárritu, cineasta que você não admira. O crítico Valente veria "No Meu Lugar" com um pé atrás?


O crítico Valente não vê nenhum filme com pé atrás. Claro que depois que conhecemos um diretor, podemos esperar mais ou menos dele, já que será um mesmo olhar que nos fala mais ou menos por trás do filme. Mas ainda assim somos bastante surpreendidos. Não acho que haja maus formatos, más estéticas, más propostas e sim as que são bem ou mal desenvolvidas.


Mesmo já tendo feitos curtas, costumamos associar o primeiro longa com o nascimento de um cineasta. Pretende continuar exercendo publicamente o papel de crítico e curador de festivais? Acredita que algo mudará, ou já mudou, a partir da experiência de "No Meu Lugar" quando for escrever sobre algum filme, especialmente se for brasileiro?


Deve ter mudado muita coisa, mas como ainda não comecei minha terapia psicanalítica, não poderia dizer o quê. Sério, nós mudamos o tempo inteiro, então porque ao passar um ano e meio fazendo algo não mudaríamos? Mas não acho que seja nada que se sinta e tenha consciência e sim parte do processo. Sempre continuarei sendo um crítico e curador, principalmente porque não é um "papel que eu exerço" e sim algo que eu sou e adoro ser. Tenho mais certezas sobre isso do que sobre fazer filmes, o que é muito interessante, mas cuja dinâmica e processo nunca me fariam querer como ocupação do dia a dia. Sou um crítico que faz filmes.


Como é conseguir financiamento para um primeiro longa? O sucesso de "Um Sol Alaranjado" em Cannes facilitou na hora de captar os recursos?


É uma das coisas do processo com o qual não aprecio muito lidar ou discutir longamente. É difícil, para um filme como o nosso tanto mais (sem atores famosos, sem um gênero comercial ao qual se filie, etc). O curta certamente não atrapalha em nada, ajuda sempre as pessoas saberem quem você é, mas também não abriu nenhuma grande porta claramente não.


Dizem que no primeiro filme o cineasta quer homenagear todos os filmes e cineastas de que gosta. No seu caso foi assim também? Quais seriam as maiores influências?


Todo filme que eu vejo me influencia, inclusive os que eu detesto, queme influenciam a pensar sobre coisas que não quero fazer. Mas não fiz o filme para homenagear ninguém, e não creio que ele faça isso. Mas ,de novo, cabe a outras pessoas dizerem se fiz sem nem me dar conta.


Quais são os próximos projetos?


Manter a Cinética em andamento à toda, como tem estado atualmente, é o maior projeto - que, por isso mesmo eu amo, é diferente todo dia, toda semana, todo mês. Nunca é a mesma coisa. Para filmes, por enquanto, o projeto é aproveitar um pouco a vida deste aí: viajar com ele para alguns festivais para ouvir opiniões distintas, lançar em circuito, ir a debates, em suma, curtir o fato de termos realizado este filme. Os próximos projetos, estes virão na hora certa.

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