sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Os Insultos Estão de Volta



Nova edição dos artigos e reportagens de H. L. Mencken é lançada no Brasil. O escritor Ruy Castro, organizador e tradutor da coletânea, comenta a atualidade do mais famoso jornalista americano das décadas de 20 e 30


A mente mais iconoclasta do jornalismo retorna às livrarias brasileiras no momento em que a imprensa está sob fogo cruzado. O Livro Dos Insultos (seleção, tradução e posfácio de Ruy Castro; Companhia das Letras; 264 páginas; R$ 46,00), reunião dos textos do jornalista norte-americano H. L. Mencken publicados nas primeiras décadas do século XX, volta ao mercado em meio às notícias de crise financeira de jornais e revistas nacionais e internacionais. No Brasil, há ainda a polêmica do fim da obrigatoriedade do diploma de jornalismo para o exercício da profissão. Em cenários de transição como esse, férteis para teorias apocalípticas, nada melhor que relembrar o jornalista que mais nocauteou falsas certezas. Ler O Livro Dos Insultos é mais uma vez confirmar que o jornalismo escrito, seja lido no papel ou na tela do computador ou do celular, será sempre o reduto do debate intelectual.
Poucos jornalistas exemplificaram tanto esse pensamento quanto Mencken, “o mais poderoso cidadão privado da América”, como sentenciou o “New York Times” em 1926. Mencken escreveu praticamente sobre todos os assuntos, demolindo com muita ironia o senso comum da sociedade americana do início do século passado. No entanto, ou talvez justamente por isso, foi o jornalista mais lido e comentado da época. A cada novo artigo, abalando as verdades estabelecidas dos leitores e a hipocrisia das instituições, ele provava que o jornalismo cotidiano também pode ser feito com textos densos, opinativos e sarcásticos. Melhor ainda, que resistem à passagem do tempo. Inúmeras de suas frases (“Todo homem decente se envergonha do governo sob o qual vive”, “A fé pode ser definida em resumo como uma crença ilógica na ocorrência do improvável”) e textos tornaram-se clássicos.
Em 1925, por exemplo, ele fez uma série de reportagens sobre o julgamento de um professor de ciências acusado de violar uma lei estadual por ensinar Darwin aos alunos do ginásio (na época, era proibido em alguns estados americanos ensinar qualquer teoria sobre a criação do homem que não fosse a da Bíblia). Com um material desses na mão, Mencken pintou e bordou, e fez o jornal provinciano em que escrevia, Evening Sun, ser reconhecido nacionalmente. Sua intensa crítica ao fundamentalismo religioso causou tanto furor que anos depois, em 1960, a história inspirou o filme O Vento Será tua Herança, no qual Gene Kelly fazia o papel de Mencken.
Morto há 53 anos, Mencken é ainda fonte de inspiração para muitos jornalistas da atualidade, nos EUA e no resto do mundo. Entre eles está Ruy Castro, organizador e tradutor do livro, um dos seguidores desse jornalismo quase em extinção que mistura bom texto, cultura e humor. Ruy começou a ler Mencken na década de 80, e não pensou duas vezes quando a Companhia das Letras lhe encomendou o lançamento de um autor americano ainda inédito no país. Para o volume, Ruy selecionou textos de Mencken comentando questões políticas e sociais (governo, democracia, economia), artísticas (literatura, música, pintura) e morais (morte, religião, relação homens X mulheres) que envolviam o homem americano. “Mencken juntou reportagem com opinião. Esse foi o seu grande impacto”, diz.
A primeira edição d´ O Livro dos Insultos saiu em 1988. Nesses 21 anos, muita coisa mudou - no mundo e no jornalismo. Mas como explica Ruy Castro na entrevista a seguir, os “insultos” de Mencken, além de saborosos de ler, são ainda vivíssimos retratos da complexidade e mesquinhez da fauna humana. Como todo bom jornalismo deveria ser.

Quando o senhor descobriu a obra de H. L. Mencken?
Ouvi falar em Mencken pela primeira vez nos anos 60, por causa do filme O vento será tua herança, sobre o julgamento do macaco, em que ele é interpretado por Gene Kelly. Mas só fui lê-lo muito depois, nos anos 80, quando mandei buscar alguns de seus livros.

O que motivou o lançamento da primeira edição do livro, em 1988?
Em 1987, eu tinha acabado de editar para a Companhia das Letras uma seleção de contos de Dorothy Parker, que até então nunca tinha saído em livro no Brasil. Luiz Schwarcz me perguntou qual outro escritor americano eu gostaria de lançar, e eu disse na bucha: Mencken.


Quais foram os critérios de seleção dos textos? Como foi traduzir para o português o estilo irônico e incisivo de Mencken?
O critério foi o da importância e da variedade dos textos. Como Mencken nunca tinha saído em português, tentei dar uma visão bem abrangente do que ele escrevia. E, por incrível que pareça, achei muito fácil traduzi-lo. Difícil é traduzir Scott Fitzgerald.


Mencken morreu há mais de 50 anos. A primeira edição do livro foi lançada há 21. Nesse tempo, inúmeras mudanças aconteceram nas redações de jornalismo. O que mantém de atualidade desses “insultos” tantos anos depois?
As redações sempre precisarão de alguém que saiba apurar e escrever, como ele. O fato de Mencken ter sempre uma "opinião" não o torna antigo, comparado à pretensa objetividade buscada pela imprensa de hoje. Aqui no Brasil, Paulo Francis morreu outro dia -- há 12 anos -- e ainda não tivemos outro igual [não levo em conta, evidentemente, seus copiadores baratos]. Faz muita falta.

Mencken tinha uma vastíssima curiosidade intelectual. Publicou um livro de filologia (The American Language), escrevia sobre os mais diversos assuntos. Acha que jornalistas como ele estão em extinção? As escolas e faculdades de comunicação estão capacitadas para oferecer esse tipo de formação aos alunos?
Sim, jornalistas como Mencken estão em extinção -- porque a inteligência está em extinção. Claro, nada impede que as escolas e faculdades produzam um ou outro talento. Mas este deverá tanto a si mesmo quanto às escolas, e estas não serão necessariamente as de jornalismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário